Pense numa pessoa que passa fome. Agora pense numa pessoa que passe fome no Canada. Se voce visualizou quase a mesma coisa, mudando apenas a cor do cabelo e dos olhos, vc terá o mesmo choque cultural que eu acabei de ter. O Esfomeado brasileiro não tem nada a ver com o "esfomeado" canadense.
Explico....
Hoje fui no tão falado "Depanage alimentáire". Programa promovido pelo governo federal, estadual e municipal que juntamente com igrejas e ONGs distribuem alimentos para "os menos favorecidos" aqui no Canadá. (obs: Não estou passando fome!)
Enquanto estava no Brasil sempre ouvia falar desse programa que ajuda os imigrantes com produtos alimenticios reduzindo assim o seu custo de vida. Produtos de boa categoria para te salvar aquela graninha do supermercado! Tomei coragem e fui la ver de qual é!
Ja antes de entrar comecei a ser tomado pela culpa social de estar ali. Na fila da cesta básica. Eu, estudante, imigrante, com carro, aluguel pago e dinheiro no banco pedindo comida! Que vergonha! Cheguei na fila olhando para baixo. Não tinha coragem de olhar nos olhos dos esfomeados. Se alguem ali soubesse que tem cerveja na minha geladeira eu seria espancado. Puz a mão no bolso para conferir se a chave do carro não estava aparecendo. Seria pena de morte! Esfomeado com carro??
Peguei a senha, preenchi uma ficha, falei que estava ali por mim e pela minha esposa e fui me sentar.
Ainda olhando pra baixo.
Um carinha com violão na mão, chegou perto de mim com um sotaque grotesco e uma cara de projeto-de-pastor e me falou qualquer coisa sobre musica. Não entendi porra nehuma! Acenei com a cabeça e sorri. Uma mulher atrás de mim pediu uma musica e ele começou a tocar.
Acho que foi nesse momento que comecei a reparar nos outros....
Ao meu lado, tinham: uma familia com um moleque jogando PSP, um casal discutindo, um gordo de muletas, uma senhora puxando papo com todos, uma gordinha rizonha, e 2 japoneses com cara de maconheiros. Ao todo tinham umas 100 pessoas no salão esperando a distribuição de comida. Todos com grandes sacolas e carrinhos de supermercados nas mãos. Todos bem agasalhados e aparentemente sadios. Aonde estavam os descamisados, moradores de rua, sujos, com pé no chão e desarrumados?
Quando estava rolando um café/chocolate quente um homem se aproximou de todos e disse algumas palavras de ordem. Apesar da senha, seria feito um sorteio para a ordem ser determminada. Na mesma hora eu pensei: "Mas e os velhos e as crianças? Eles não deveriam ser os primeiros?"
Logo que começou a chamada eu perguntei para um dos japas como seria a distribuição. Ele falou que eu podia pegar o que quiser e que a qtde seria determinada pelo voluntário, de acordo com o número de pessoas da minha família. Levantei para dar uma olhada nos alimentos e fiquei embasbacado com a qtde e qualidade dos produtos. Tinha de chocolate a suco. De sopa em lata a Waffle. Azeite, vinagre, oleo, muitos tipos de pães, macarrão, sopas, legumes, verduras, leite, gelatina e outros itens de primeira necessidade (!!) . Nessa hora eu ja não sabia se levantava e ajudava ou se ia em casa buscar minha sacola!
O pessoal começou a ficar mais descontraido a medida que as senhas iam saindo. Algumas piadas em voz alta e muitos risos (o vinagre tamanho familia provocava risadas todas vez que alguem se assustava com ele). Como estava demorando muito e tinha outras coisas pra fazer, resolvi ir embora antes da hora. O fato de eu não ter levado minha sacola tambem teria sido um problema.
Na saida, dessa vez olhando para frente, vi que quase todos ali estavam de carro! O japa perguntou pq eu não peguei nada e eu expliquei o problema da sacola. Ele me disse que hoje não estava muito bom e que estava muito cheio.
Sem sacolas, sem comida, sem fome e sem culpa fui para casa. Quem sabe semana que vem.........
Le pardon et la confiance
Há 16 horas
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